segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Filosofia das canções de Chico Buarque na Censura da Ditadura Militar

A Filosofia das canções de Chico Buarque na Censura da Ditadura Militar

É indiscutível a relevância da obra de Chico Buarque na história da arte brasileira contemporânea, tanto na música, como na literatura, no teatro, no cinema e principalmente no cenário dos tempos de “chumbo grosso”, onde a Ditadura Militar censurou duramente qualquer manifestação artística, musical, teatral, estudantil - não esqueçamos que nesta época a disciplina de Filosofia foi banida das Universidades e muitos universitários foram presos e torturados por causa de suas publicações e participações nas manifestações - manifestações que criticavam duramente o Governo dos Militares. Entre tantos aqueles que não se calaram frente a este Governo e que sofreram as consequências de suas publicações artísticas, principalmente musical, temos a Figura Iminente de Chico Buarque.
Por sua caligrafia de poeta-repórter, Chico Buarque viveu um corpo a corpo encarniçado com a Ditadura Militar. Chico toureou a Censura através de metáforas e imprimiu uma linguagem cifrada que não tirou a beleza de suas músicas, nem reduziu seu trabalho á mera fabricação de panfletos de vida curta. Chico compôs sua primeira música em 1959 “Canção dos Olhos” cinco anos mais tarde, os militares tomam o poder no Brasil, a esse tempo Chico começa a superar uma fase definida ppor alguns como imatura ou alienada – de belas canções sem conteúdo político – e mesmo compondo músicas de grande aceitação popular e que não atcavam o governo da época como “A Rita” de 1965, a “Banda” e “Com açúcar e Com afeto”, ambas de 1966, porém, á partir de 1965, passa a ser visado e acompanhado de perto pela Censura, a música “Tamandaré” deste mesmo ano, com MPB-4 e Odete Lara, é proibida, por conter versos considerados ofensivos ao patrono da Marinha.
Em 1968, Chico começa a sentir interferência enérgica do Regime Militar na sua vida e na sua arte. Nesse mesmo ano ele participa da “Passeata dos Cem Mil”, é detido na sua casa e levado ao Ministério do Exército para depor acerca da peça ”Roda-Viva” [1] e sua participação na “Passeata”. Em 1969, com autorização do Regime Militar, mais precisamente do Comandante Átila, parte para um exílio na Itália, de onde retorna em 1970.
Á partir deste ano então, as canções de Chico Buarque passam a ser, majoritariamente, carregadas de duras críticas, voltadas especialmente aos Militares. Várias de suas composições marcaram a época para sempre e fizeram a História dos tempos sombrios a que se referia o teatrólogo Bertold Brecht.
Como alguns exemplos dessas ontológicas composições podemos citar: a arquitetura refinada da saga operária “Construção” de 1971, o aparente samba de dor-de-cotovelo ”Apesar de Você” de 1970, que na verdade exorcizava o todo-poderoso Governo Médici, cuja Censura deixou passar esta bola pelo meio das pernas, resultado: Chico Buarque virou nome maldito no departamento.
Em parceria com Gilberto Gil, o nada eclesiástico “Cálice”( Música que faremos mais adiante uma breve análise de sua Letra) de 1973 teve o microfone da dupla desligado no Festival da Phonogram, mas acabou virando irrefreável sucesso na fase da Abertura Política interpretada por outros dois grandes da MPB, Chico Buarque e Milton Nascimento. As canções “Gota d’água” de 1975,”Cordão” e “Deus lhe pague” ambas de 1971, vocalizam com menos ou mais contenção o desabafo de um povo subjugado., o mesmo que escapa sussurrado em versos e trovas no breu das tocas de “O que será – á flor da Terra” de 1976, simbólica ode a uma arte – e um artista – que não tem Censura que cale, nem nunca terá.

Nota sobre a música “Cálice”:

Este é mais um exemplo de Letra contra a Censura, predominante entre nossos compositores á época ano de 1973 em que a canção foi criada. Na verdade “Cálice” destinava-se a um grande evento promovido pela Ploygram, que reuniria em duplas os maiores nomes de seu elenco e no qual deveria ser cantada por Gilberto Gil e Chico Buarque.
No livro “Todas as Letras”, Gil narra em detalhes a história da canção, a começar pelo encontro incial dos dois no apartamento em que Chico morava, na Lagoa Rodrigo de Freitas, ocasião em que lhe mostrou os versos que fizera na véspera, uma sexta-feira da Paixão. Tratava-se do refrão ( “Pai, afasta de mim este cálice/ de vinho tinto de sangue”), uma óbvia alusão a agonia de Jesus no Calvário, cuja ambiguidade – cálice/ cale-se – foi imediatamente percebida por Chico. Gil levara-lhe ainda a primeira estrofe ( “Como beber dessa bebida amarga/ tragar a dor, engolir a labuta/ mesmo calada a boca, resta o peito/ silêncio na cidade não se escuta/ de que vale ser filho da santa/ melhor seria ser filho da outra...”): lembrando a “bebida amarga”, uma bebida italianan chamada Fernet, que o dono da casa muito apreciava e sempre lhe oferecia, enquanto “ o silêncio na cidade não se escuta”, significava que no barulho da cidade não é possível escutar o silêncio, ou não adianta querer o silêncio porque não há silêncio, ou seja, metaforicamente: “não há censura, a censura é uma quimera, poís, “mesmo calada a boca, resta a cuca”, aqui significando que mesmo que queiram nos calar, ainda temos a cuca, a mente, o raciocínio, para pensar e constuir nossos versos e nossas críticas. Deste e mais outro encontro, dias depois, saíram a melodia e as demais estrofes, quatro no total, sendo a primeira e a terceira (“De muita gorda a porca já não anda/ de muito usada a faca já não corta/ Como é difícil Pai abrir a porta/ essa palavra presa na garganta”) de Gil, a segunda (“Como é difícil acorda calado/ se na calada da noite eu me dano..”) e a quarta (“Talvez o mundo não seja pequeno/ nem seja a vida um fato consumado/ quero inventar o meu próprio pecado..” ) de Chico.
No dia do show, quando os dois começaram a cantar “Cálice” desligaram o microfone: “Tenho a impressão de que ela tinha sido apresentada á Censura, tendo-nos sido recomendado que não cantássemos, mas nós fizemos uma desobediência civil e quisemos cantá-la”, conclui Chico. Irritadíssimo com o microfone desligado, Chico tentava outro mais próximo, que era cortado em seguida e assim, numa cena tragicômica, foram todos sendo “calados”, impedindo-o de cantar “Cálice” até o fim. Liberada cinco anos mais tarde, em 1978, a canção foi incluida no elepê anual de Chico tendo a participação mais que especial de Milton Nascimento, tornando-se um estrondoso sucesso, destes dois grandes da MPB.
Como falamos anteriormente, durante estes anos, anos de “chumbo grosso” da Ditadura Militar, muitas disciplinas foram banidas das Universidades dentre elas, a de Filosofia e muitos universitários foram perseguidos e torturados, no entanto, se suas publicações eram rastreadas e censuradas, uma das formas de mandar seus recados aos Militares, era por meio das músicas e as canções de Chico Buarque representavam a “Voz” daqueles estudantes e do próprio Chico que não se calava frente as opressões sofridas, assim, podemos muito bem explanar uma ótima aula de Filosofia trazendo como reflexão as Letras de Chico Buarque e refletir o por quê daquela canção feita naquele momento ou tratar especificamente de um tema Filosófico, como por exemplo a “Liberdade”, onde possamos trabalhar o título e a Letra da canção “Cálice”: como era visto a “Liberdade” naqueles tempos da Ditadura Militar e como as pessoas, estudantes, cantores, escritores, religiosos e filósofos se portavam diante de uma “Liberdade vigiada, restrita, tolhida” pelos Militares, nesse caso caberíamos analisar fliosoficamente a canção de Chico Buarque.Teríamos aí uma aula de Filosofia, motivada pela discussão e debate que não ficaria somente na canção em si, mas levaríamos os alunos e nós a refletirem as motivações trazidas.

Vamos para a Letra de “Cálice” (Chico Buarque e Milton Nascimento - 1978)

Refrão: Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar ador, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Ref. Pai, afasta de mim esse cálice
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Ref. Pai, afasta de mim esse cálice
De muita gorda a porca já não anda
De muita usada a faca já não corta
Como é difícil Pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Ref. Pai, afasta de mim esse cálice
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Ref. Pai, afasta de mim esse cálice








Outra canção de Chico Buarque que vale á pena trazermos para esta mesma reflexão é a canção “Apesar de Você”: aparentemente ela soava como uma música de dor-de-cotovelo, mas na veracidade de sua mensagem e de sua Letra, ela exorcizava o todo-poderoso Médici, o Presidente General Militar que engrossou duramente a Censura a todas as manifestações, esta medida foi feita pelo AI- 5 ( Ato Institucional número 05). Como recado a ele, Chico mandou esta ontológica canção e podemos trabalhar filosoficamente, trazendo como tema de reflexão o “Estado Civil”, o “Autoritarismo do Governante” levando aos alunos esse debate, não esquecendo, porém, de analisar a Letra da canção e a pertinência do tema que está sendo trabalhado junto com a canção, é importante, no entanto, durante a explanação apresentar o Filósofo que em sua “Obra” tratou daquele tema especificamente e assim de maneira bastante dinâmica, poder fazer uma ligação, com a canção, o tema e o Filósofo. Com certeza a aula não ficaria enfadonha, mas participativa.

Vamos a Letra da canção “Apesar de Você” ( Chico Buarque – 1970)

Amanhã vai ser outro dia
Hoje você é quem manda, falou tá falado não têm discussão
A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Ref. Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia
Como vai proibir quando o galo insistir em cantar
Água nova brotando e a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido, esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza de a “desinventar”
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada nesse meu penar
Ref. Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria
Você vai se amargar vendo o dia raia sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir, antes o que você pensa
Apesar de você
Ref. Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia
Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente
Impunemente
Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente
Ref. Apesar de você amanhã há ser outro dia
Você vai se dar mal etc e tal
La, laiá, laiá, laiá, laiá...
[1] Peça escrita por Chico Buarque em 1967, que virou símbolo de resistência á Ditadura. No período de exibição da segunda montagem da peça, o Teatro foi invadido por cerca de 110 pessoas do CCC (Comando de Caça aso Comunistas), que destruíram o cenário e espancaram os atores.

Um comentário:

Luciene de Morais disse...

Interessantíssimo seu blog!
Voltarei aqui sempre para aprender mais um pouquinho...
beijo
Lu